Veganismo é a extensão natural dos direitos humanos aos animais. No mínimo, os direitos de não serem mortos, violentados ou vistos como mercadoria.
Os animais (as vítimas) são os maiores interessados que a ética vegana seja adotada por toda a humanidade. Então, se você se considera ativista, você deveria tratá-los como trata um chefe (não abusivo). E entender o ativismo como um trabalho.
Esta sua chefia não persegue lucro financeiro, mas uma meta clara: a libertação de 100% dos animais (o quanto antes!).
Quando você entra na empreitada do “ativismo vegano”, precisa se comportar como faz no seu trabalho. Você pode até odiar o colega (o ativista) da mesa ao lado, mas não sai cancelando ele publicamente no linkedin. Sua chefe não admitiria isso, né?
Pode contar fofocas à vontade de outros colegas, mas não posta stories espalhando para o mundo inteiro. Sua chefe não admitiria isso, né?
No meio de uma reunião de trabalho, você não sai puxando assuntos polêmicos (e o aborto, hein? e a liberação das drogas? e deus que nem existe, né? e o STF? e a terra plana? pô, odeio Cristão/Muçulmano/Israel/Palestina/Rússia/Lula/Bolsonaro e vocês?).
O foco é na missão da empresa. Geralmente, nem em happy hours e momentos mais descontraídos esses temas são indicados entre colegas de trabalho. Se o assunto surge, logo o próprio grupo ajuda a desviar. E precisa ser assim também no ativismo, nossos chefes não querem que inimizades e disputas e internas atrapalhem o alcance das metas.
Você ama seu emprego, é uma pessoa conectada com o propósito (a libertação animal), quer passar a vida inteira entregando bons resultados à sua chefia (os animais). Então, se alguma vez tratou conversas entre ativistas como uma “várzea em que tudo pode ser falado”, reveja sua conduta, o RH está de olho.
Peraí, e o que a Coca-Cola e a Pepsi têm a ver com isso?
Tiremos o zoom da dinâmica da sua área (Administrativo? Comercial?) e olhemos a Holding Libertação Animal. A holding deseja que seus produtos (a mensagem sobre a ética vegana) cheguem a 100% da população, quer alugar um apartamento na cabeça de todo mundo.
Como fazer isso se você só atuar no mercado de refrigerantes? Ninguém toma Coca todo dia, e nem todo mundo toma Coca. O que a holding faz então? Abre uma unidade de negócios de água engarrafada (Crystal). Afinal, todo mundo toma água, certo? Bem, água engarrafada… nem todo dia.
O que a holding faz então? Abre uma unidade de leites vegetais (Ades) e uma de iogurtes (Verde Campo). E depois, para continuar penetrando na mente (e no bolso) dos consumidores em todo lugar, abre também uma de sucos (del Valle), de energéticos (Monster), toca várias empresas de cerveja (Therezópolis, Eisenbahn, Estrella Galicia), não esquecendo das cervejas mais populares (Sol, Kaiser, Bavaria), e até vende chá (Matte Leão).
E, com tudo isso, a Coca-Cola domina o mundo e faz U$ 43 bilhões de dólares em 2022.
O movimento vegano então deveria pensar estrategicamente (metaforicamente) como a Coca, certo? Agir por vários caminhos diferentes para capturar mentes e influenciar ações das pessoas?
Nossos chefes animais balançam a cabeça negativamente. Ser como a Coca não é suficiente, precisamos ser maiores.
Mas como é possível ser maior que a Coca? Sendo a Pepsi.
Pouca gente sabe, mas a Pepsi tem o dobro do faturamento da Coca! [foram U$ 86 bilhões em 2022]
Qual a grande diferença? A holding da Pepsi não fica só nas bebidas, também está presente no mercado de alimentos. Quacker, Cheetos, Doritos e milhares de outros produtos populares fazem a Pepsi estar no café da manhã, almoço, jantar de todo mundo (e não apenas como um líquido).
O veganismo também tem suas unidades de negócio diferentes, não é (e não deveria ser) apenas um grupo de ativistas com uma estratégia única. A defesa de uma monocultura de estratégias afasta a inclusão e diversidade de pensamento humano.
Toda pessoa vegana é abolicionista, já que trabalha para uma diretoria que tem como meta a libertação animal. Mas cada ativista se junta em um grupo diferente e persegue diferentes estratégias, trabalha para uma unidade de negócio diferente. A soma dos desempenhos das unidades de negócio (água, refrigerante, cerveja, salgadinhos, cereais matinais) é que permite a dominação do mercado.
Existe veganismo gourmet, veganismo popular, liberal, anticapitalista, ecossocialista, místico, religioso, ateu, revolucionário, utilitário, e muitos outros. Existem unidades de negócio da holding “veganismos” focadas em impactar o setor público, outras focadas na agricultura popular, outras em tecnologia, na oferta, na demanda ou na mensagem direta ao consumidor, existem unidades mais “agressivas” que invadem e filmam fazendas, outras que só falam de receitas de comida, ou de saúde ou meio ambiente; algumas focam em redes sociais, outras vão para a rua, outras só nos bastidores da política para mudar legislações.
Cada consumidor é diferente e será afetado por uma estratégia (uma unidade de negócio) diferente. Não adianta vender “veganismo coca-cola” para quem se identifica com a mensagem do “veganismo cheetos”, não adianta forçar “veganismo ruffles” pra quem se conecta apenas com o “veganismo gatorade”.
Assim como a Pepsi, não faz sentido colocar todas as fichas só em uma cesta (bebidas), é preciso expandir para outras áreas. As mentes dos consumidores são muito diversas. As cabeças que precisam “comprar” a libertação animal são muito diferentes.
Se evitamos todas as fichas na mesma cesta, se fugimos da monocultura de uma estratégia única, conseguimos multiplicar o faturamento (a transformação ética dos consumidores). Só quando aceitarmos a beleza de atacar por todos os lados, com todas as unidades de negócio, é que conseguiremos entregar as metas para a diretoria.
Se formos profissionais, se aceitarmos todos os caminhos estratégicos, conseguiremos levar para todos a mensagem de uma vida ética sem exploração e violência com animais. O tempo inteiro. Em todo lugar. Como a Pepsi.
Veganismo é uma empresa, não é várzea: é trabalho e estratégia.
Nossa chefia, acorrentada em matadouros, nos exige profissionalismo e pensamento estratégico.
Estar no movimento vegano não é só para criar uma comunidade (também é), fazer novas amizades (também é), estar no movimento vegano é uma jornada profissional para toda a vida.
E aí também entra o cuidado com a exaustão/burnout. Nossa diretoria nos quer nesse trabalho por 40, 50, 60 anos. Não 4, 5 ou 6.
Se o ativismo estiver muito pesado, tire o pé do acelerador, pense que a luta é de longo prazo. Se sentir que só está pensando/falando desse tema e isso te estressa e esgota, tire uma folga, umas pequenas férias.
Nossos chefes, os animais, sabem que a libertação não vem amanhã e que, se seus funcionários não cuidarem da saúde, sofrerão burnout e isso atrapalhará a meta da empresa.
Um dos maiores e mais intensos ativistas, Gary Yourofski, “durou” uns 15 anos veganizando o mundo (e conseguiu muita coisa! procure conhecê-lo) até que publicou uma carta saindo do movimento, estava exausto.
Peter Singer está aí há 50 anos publicando livros e fazendo palestras do tema. Nossos chefes querem te ver na empresa a sua vida inteira. Querem que você seja uma mistura de Gary e Peter.
Cuide da sua saúde, lembre-se que serão décadas de luta, seja profissional e escolha sua unidade de negócios sem atrapalhar o trabalho das demais.
A diretoria da Holding Libertação Animal está de olho.
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[atenção, este texto não defende o consumo de coca-cola (um dos mais poluidores de plástico do mundo) nem de ultraprocessados (um dos mais mortais do mundo) nem sistema econômico nenhum. O texto traz uma metáfora para inspirar reflexões. Metáfora “é uma figura de linguagem em que se transfere o nome de uma coisa para outra com a qual é possível estabelecer uma relação de comparação, Ex: “ele tem uma vontade de ferro”, para designar uma vontade forte, como o ferro”.]
Foco no que nos UNE, não no que nos separa <3