Outro dia, tive uma epifania. Parecia boba no início, mas, após ser digerida por horas na minha mente, passei a gostar da ideia. Ela não me veio forçada, ela me conquistou, mesmo sendo rejeitada no início. E isso fez toda a diferença.
Quando buscamos transformar a sociedade, precisamos mudar o pensamento dos indivíduos que a compõem. Para mudar um pensamento, precisamos passar informações. Quando essas informações vão de encontro a valores muito fortes dentro de um indivíduo, elas travam. Geram um efeito inverso, a pessoa levanta barreiras e resiste e luta e briga.
Se não quero mudar, e a sociedade inteira está do meu lado, por que vou aceitar informações que mudem meu pensamento?
Então, lembrei de como memes de internet se espalham: muito mais pela emoção que geram do que pela informação que levam. Aí lembrei que o termo original não foi criado pensando em memes de internet, mas em ideias na sociedade.
O conceito de meme, criado por Richard Dawkins em O Gene Egoísta (1976), se refere a unidades culturais que se espalham e evoluem de forma semelhante aos genes biológicos. Segundo Dawkins, “memes são ideias, comportamentos, modas, melodias, frases e até valores que se replicam de mente em mente, competindo por atenção e sobrevivência dentro de uma cultura”.
Se o conceito de replicação de memes se inspira na replicação de genes, será que podemos tirar lições para o ativismo? Para mudar o mundo?
IMPORTANTE: durante todo esse texto, a palavra meme é usada como sinônimo de ideia. O meme da causa vegana é a ideia da libertação animal. As estratégias de replicação de memes no veganismo, nesse texto, se referem a estratégias de convencimento das pessoas sobre o direito dos animais de não sofrerem, não serem capturados/enjaulados/manipulados, nem serem mortos por humanos
Dawkins usou o termo "meme" para descrever essa transmissão cultural, inspirado na palavra grega mimema (algo imitado). Assim como os genes se propagam pelo DNA, os memes se propagam pela comunicação e imitação, podendo se modificar ao longo do tempo.
Se pensarmos na difusão da ideia do respeito aos animais como um processo evolutivo, podemos criar ambientes e mensagens que favorecem a propagação do veganismo? Como a ideia de libertação animal poderia se propagar melhor em um mundo 99% não vegano?
Na propagação de genes, a conquista e a atração são essenciais para a reprodução bem-sucedida. Certo?
Então, a difusão do meme “libertação animal” também depende de uma abordagem estratégica para ganhar adesão. Genes que se espalham com sucesso não forçam sua transmissão, mas criam condições favoráveis para que sejam escolhidos e passem adiante. Da mesma forma, ideias veganas devem ser apresentadas de maneira que despertem interesse e ressonância, em vez de resistência. Se a comunicação for violenta, se a postura for hostil (em um mundo 99% não vegano), a “rejeição” ocorre antes mesmo que o meme capture a mente do interlocutor.
Como em um jogo de conquista para replicar genes, primeiro você busca ter uma conexão com a outra pessoa, espera que ela goste de você. Com o coração aberto, a mente aceita o próximo passo. Antes disso, qualquer avanço pode ser um passo em falso.
“Quando se estabelece certa qualidade de conexão humana entre as partes envolvidas, a probabilidade de resolver disputas de maneira gratificante aumenta muito.”
“Temos que abandonar totalmente a meta de levar os outros a fazerem o que queremos. Em vez disso, nos concentramos em criar condições para que a necessidade de todos seja atendida.”
Marshall Rosenberg (criador da metodologia de Comunicação Não-Violenta)
Se “forçar uma ideia em outra pessoa” não é o caminho para replicá-la, como o ambiente poderia ajudar?
Tanto genes quanto memes precisam de ambientes propícios para se replicarem. Na biologia, genes bem-adaptados sobrevivem melhor em nichos favoráveis, enquanto ideias fortes prosperam em contextos sociais receptivos. O mundo não é receptivo à ideia de libertação animal, isso é um fato. Daí que a passagem desse meme deve ter o cuidado de ser tentada em ambientes propícios (nunca, por exemplo, no momento em que a outra pessoa está se alimentando de animais).
O ativismo vegano precisa criar ambientes onde a empatia e a reflexão possam florescer e, mesmo nesses espaços propícios, a forma deve ser pacífica, evitando confrontos diretos. Uma comunicação cuidadosa, que se encaixe nas preocupações e valores da pessoa, tem mais chances de ser assimilada e retransmitida, assim como um gene bem-adaptado tem mais chances de ser passado adiante após um jantar à luz de velas.
Outra metáfora interessante é a co-evolução entre genes e ambiente, que também se aplica à propagação de ideias. Na natureza, um organismo não apenas se adapta ao meio, mas também influencia sua evolução, criando ciclos de retroalimentação. Da mesma forma, a difusão do veganismo não acontece isoladamente; ela se ajusta às mudanças culturais enquanto também as impulsiona.
Quando um meme vegano é aceito (por exemplo, aceitar que a alimentação sem nada de origem animal é completa), ele abre espaço para que novos memes relacionados (como o impacto ambiental da pecuária ou uma crítica ao especismo da sociedade) se espalhem com mais facilidade.
Assim, cada nova conversa bem-sucedida não apenas “transmite” o meme, mas ajuda a criar um ambiente mais receptivo para futuras transmissões. Aceitação de comida vegana reduz barreiras na aceitação da libertação animal completa. Inclusive, 99% dos animais que são mortos anualmente vão para a alimentação humana. A co-evolução da dieta vegana (que resolve 99% do problema) poderia levar “de bandeja” o 1% faltante.
Listados os 3 fatores iniciais (conquista, ambiente e co-evolução), podemos pensar em um último, que é o cuidado com o diálogo para a passagem eficaz do meme. Para que ele atravesse a mente sem levantar barreiras e atinja o coração.
Aqui, antes de pensar o que fazer em termos de diálogo, melhor garantir onde não errar. Uma comunicação violenta ocorre quando a forma de se expressar gera resistência ou conflito, bloqueando o diálogo. Isso pode incluir julgamentos, acusações, sarcasmo ou uma postura que faz o outro se sentir atacado.
Para evitar isso, três dicas iniciais seriam: (1) Praticar a escuta ativa, demonstrando interesse genuíno pelo ponto de vista do outro antes de apresentar argumentos; (2) Fazer perguntas abertas, como “O que você sente quando vê imagens de abatedouros?”, para estimular reflexão sem impor uma posição; e (3) Usar mensagens na primeira pessoa, como “Eu me sinto mais alinhado com meus valores depois que parei de consumir produtos de origem animal”, em vez de frases acusatórias que deixam a pessoa na defensiva.
Resumindo, para anotar e usar nos próximos encontros com 99% da população não vegana, nossas estratégias seriam:
Conquista: a pessoa precisa gostar de estar com você para te ouvir.
Ambiente: o ambiente precisa ajudar com que ela goste de estar com você.
Co-evolução: ela não precisa gostar da ideia completa do veganismo “de primeira”.
Diálogo: a ideia do veganismo precisa fluir sem levantar barreiras.
Receita pronta. Bom ativismo!
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Ah, e pense também em outras estratégias de conquista (replicação de genes) e em como usá-las para inspirar estratégias de convencimento (replicação de ideias/memes). Este texto foi só uma introdução.
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SEGUEM 2 ANEXOS
ANEXO 1: pedi ao chatgpt para dar mais algumas ideias.
ANEXO 2: minicurso de Comunicação Não violenta.
ANEXO 1: CHATGPT
Se pensarmos nos memes como genes, a difusão do veganismo pode se beneficiar da forma como características bem-adaptadas se espalham e persistem. Aqui estão algumas ideias baseadas nessa metáfora genética:
1. Mutação e Adaptação
Assim como os genes sofrem mutações e se adaptam ao ambiente, as mensagens veganas devem se ajustar ao público.
Exemplo: Para um atleta, pode-se destacar os benefícios do veganismo no desempenho; para alguém preocupado com o meio ambiente, a ênfase pode ser no impacto ambiental da pecuária.
2. Reprodução e Contágio Cultural
Memes eficazes são replicáveis e fáceis de compartilhar.
Uma frase curta e poderosa como “Os animais são alguém, não algo” pode ser mais impactante do que um argumento longo e técnico.
3. Seleção Natural: Sobrevivem os Mais Eficazes
Algumas abordagens são mais bem-sucedidas do que outras e, com o tempo, as que mais convencem tendem a se propagar.
Exemplo: O meme “Se podemos viver sem causar sofrimento, por que não?” sobrevive porque é simples, direto e difícil de refutar.
4. Transmissão Vertical e Horizontal
Vertical: Como pais passando valores aos filhos (exemplo: criar crianças veganas).
Horizontal: Entre amigos, redes sociais e influenciadores, onde memes podem se espalhar rapidamente.
Como Implantar a Ideia em uma Conversa
Criar Pontes, Não Barreiras – Comece com algo que a pessoa já valoriza (justiça, meio ambiente, saúde).
Plantar uma Dúvida Simples – Em vez de um confronto direto, pergunte algo que provoque reflexão:
“Você já pensou por que amamos alguns animais e comemos outros?”
Reforço Positivo – Valorize pequenas mudanças para incentivar a continuidade.
Repetição Estratégica – Como um jingle que gruda na mente, frases curtas e impactantes ajudam na memorização e adoção da ideia.
[agora, para finalizar, pensando mais em campanhas e memes de internet mesmo]: Os memes culturais são fundamentais na difusão de valores em movimentos sociais, pois moldam percepções e comportamentos ao longo do tempo. Algumas estratégias eficazes para disseminá-los incluem:
1. Narrativas Simples e Repetitivas
Ideias que se espalham bem são curtas, fáceis de lembrar e repetir.
Exemplo: "Black Lives Matter", "O pessoal é político", "Não é comida, é alguém".
2. Uso de Emoções e Identidade
Memes que evocam indignação, empatia ou pertencimento tendem a viralizar.
Criar um senso de identidade compartilhada fortalece o engajamento.
3. Adaptação e Resiliência
Bons memes se ajustam ao contexto cultural sem perder a essência.
O feminismo, por exemplo, evoluiu suas mensagens ao longo das décadas.
4. Formato Visual e Multimídia
Imagens, vídeos e slogans curtos são mais fáceis de compartilhar e memorizar.
Exemplo: Cartazes icônicos, hashtags e vídeos curtos impactantes.
5. Apropriação de Cultura Pop
Referências a filmes, músicas e memes de entretenimento podem facilitar a difusão.
Exemplo: Transformar cenas de filmes populares em metáforas sociais.
6. Participação Ativa e Interatividade
Criar desafios, hashtags ou campanhas que incentivem o público a se apropriar da mensagem.
Exemplo: "#MeToo", onde pessoas compartilharam suas experiências.
7. Espalhamento em Redes Estratégicas
Influenciadores e comunidades digitais aceleram a difusão.
O boca a boca digital e offline ainda é uma das formas mais eficazes de espalhar ideias.
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ANEXO 2: MINICURSO DE COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA
Para finalizar, um minicurso, um fichamento, do livro “Vivendo a Comunicação Violenta”, de Marshall Rosenberg:
“A Comunicação Não Violenta (CNV) é um poderoso modelo de comunicação, mas vai muito além disso. É um modo de ser, de pensar e de viver. É um idioma da compaixão.
Por que algumas pessoas parecem gostar de ver o sofrimento dos outros, enquanto outras parecem ser justamente o contrário? Descobri que três fatores são muito importantes para entendermos por que, em situações similares, alguns de nós reagem com violência e outros reagem com compaixão:
• A linguagem que fomos ensinados a usar.
• Como nos ensinaram a pensar e a nos comunicarmos.
• As estratégias específicas que aprendemos para influenciar os outros e a nós mesmos.
integrando o tipo de linguagem, o tipo de pensamento e as formas de comunicação que influenciam nossa capacidade de contribuir voluntariamente para o bem-estar dos outros e de nós mesmos.
Parte do processo é dizer com clareza o que está vivo em nós – sem análise ou crítica e sem colocar a culpa no outro. Outra parte é dizer com clareza o que tornaria a vida melhor para nós, apresentando essa informação aos outros como um pedido, não como uma exigência.
OBSERVAÇÃO: O que observo (vejo, ouço, lembro, imagino, livre de avaliações) que contribui ou não para meu bem-estar: “Quando vejo/ ouço...”
SENTIMENTOS: Como me sinto (emoção ou sensação, e não pensamento) em relação ao que observo: “Sinto...” Como você se sente (emoção ou sensação, e não pensamento) em relação ao que observa: “Você sente...”
NECESSIDADES: O que preciso ou valorizo (e não uma preferência ou ação específica) e que é a causa dos meus sentimentos: “porque necessito/ valorizo...” O que você precisa ou valoriza (e não uma preferência ou ação específica) e que é a causa dos seus sentimentos: “porque você necessita/ valoriza...”
Pedir com clareza aquilo que enriqueceria minha vida, sem exigências
PEDIDOS: As ações concretas que eu gostaria que fossem tomadas: “Você estaria disposto a...?” é possível resolvê-los de maneira pacífica e com a satisfação de todos.
Para esclarecer melhor a diferença de foco (entre obter o que queremos e obter o que todos querem), imagine que alguém esteja se comportando de um modo que não atende a uma necessidade nossa e pedimos que essa pessoa aja de maneira diferente. Em minha experiência, aprendi que essa pessoa resistirá ao que pedimos se considerar que estamos interessados apenas em atender às nossas próprias necessidades e não acreditar que estamos igualmente preocupados em atender às necessidades dela. A cooperação genuína nasce no momento em que os participantes passam a confiar que suas necessidades e valores serão respeitosamente levados em conta.
As práticas de Comunicação Não Violenta que servem de base para a solução de conflitos envolvem: . expressar nossas necessidades; enxergar as necessidades dos outros, independentemente do modo como se expressam; verificar se as necessidades foram compreendidas com exatidão; oferecer a empatia de que as pessoas precisam para ouvir as necessidades dos outros; e traduzir as soluções ou estratégias propostas para uma linguagem de ação positiva.
Pela minha experiência, os conflitos tendem a uma solução mutuamente satisfatória quando mantemos o foco nas necessidades.
Infelizmente, descobri que pouquíssimas pessoas são ensinadas a expressar as próprias necessidades. Em vez disso, somos ensinados a criticar, insultar e nos comunicarmos de um modo que nos distancia uns dos outros. Todos entram numa disputa para ver quem está certo.
Necessidades: No modo como uso o termo, elas podem ser consideradas recursos exigidos pela vida para que esta possa se sustentar. Nosso bem-estar físico depende da satisfação da necessidade de ar, água, descanso e alimento. Nosso bem-estar psicológico e espiritual aumenta quando nossa necessidade de compreensão, apoio, franqueza e significado é atendida.
Seja qual for nosso gênero, nível de instrução, crença religiosa ou nacionalidade, todos os seres humanos têm as mesmas necessidades. O que distingue as pessoas são as estratégias usadas para atendê-las.
Estratégias eficazes – mais comumente chamadas de vontades, pedidos, desejos e “soluções” – referem-se, sim, a ações específicas realizadas por pessoas específicas.
Sugiro que, a princípio, cada um de vocês expresse quais necessidades não estão sendo atendidas no relacionamento. Depois de compreenderem as necessidades um do outro, estou confiante de que conseguiremos examinar algumas estratégias para atendê-las.
Quando não somos capazes de dizer com clareza o que precisamos e só sabemos fazer análises sobre os outros que soam como críticas, acabamos em guerra – sejam elas verbais, psicológicas ou físicas.
Aprendi a fazer isso porque acredito que toda mensagem, seja qual for sua forma ou seu conteúdo, é a expressão de uma necessidade. “Não quero falar sobre isso”, posso perceber a necessidade da pessoa de se proteger contra algo que imagina que possa acontecer se nos comunicarmos.
No momento em que qualquer um dos lados se vê criticado, diagnosticado ou intelectualmente interpretado, sua energia se volta para a tentativa de se defender e de contra-atacar, não para encontrar soluções que atendam às necessidades de todos.
Infelizmente, como o marido e a mulher, eles não foram ensinados a perceber necessidades; só sabiam me dizer o que estava errado no outro lado.
É óbvio que reunir pessoas para uma conversa só é útil se elas souberem se comunicar de modo a se conectarem como seres humanos.
Depois de ajudar as partes em conflito a expressarem as próprias necessidades e se conectarem às dos outros, sugiro que passemos a procurar estratégias que atendam às necessidades de todos.
Isso exige que sejamos capazes de expressar as estratégias propostas com clareza, numa linguagem presente e de ação positiva. Com linguagem “presente”, refiro-me a uma declaração clara do que se quer do outro lado neste momento.
“Quero que você me diga se está disposto a...” e então apresente a ação que gostaria que a outra pessoa realizasse.
“Está disposto a...?” torna mais fácil uma discussão respeitosa.
Também sugiro que os pedidos sejam expressos na linguagem de ação positiva, declarando com clareza o que queremos que seja feito para que nossas necessidades sejam atendidas em vez de dizermos o que não queremos.
Em situações de conflito, dizer o que não queremos cria confusão e resistência.
Se só nos dissermos o que não queremos fazer, é pouco provável que consigamos mudar qualquer situação.
Se o outro disser não, tentaremos entender qual necessidade própria ele está satisfazendo e que o impede de dizer sim. Entender as necessidades dos outros não significa que você tenha que abrir mão das suas. Significa demonstrar-lhes que está interessado tanto nas deles quanto nas suas.
Ao fazer nossos pedidos, é importantíssimo ser respeitoso com a reação do outro, não importando se ele concordou ou não. Se prestarmos atenção, veremos que toda vez que o outro diz não na verdade está dizendo que tem uma necessidade que não está sendo atendida por nossa estratégia e que isso o impede de dizer sim.
Há duas formas principais de comunicação que tornam quase impossível doar de coração.
A primeira é tudo que soe como crítica.
Como se pode ver, a única vez que se fala sobre eles é na primeira parte, na qual seu comportamento é mencionado. Você não os está criticando pela maneira como se comportam, mas apenas chamando a atenção para o modo como agem. As três outras partes são todas sobre você: seus sentimentos, suas necessidades não atendidas e seus pedidos. Se usar qualquer palavra que possa ser facilmente interpretada pelos outros como crítica, então meu palpite é que você misturou um pouco de julgamento nesses quatro ingredientes.
O segundo obstáculo à nossa capacidade de doar de coração é qualquer sinal de coerção.
Não há crítica nem coerção na linguagem da CNV.
Amor não é negar a si mesmo e fazer tudo pelo outro. Em vez disso, é expressar com franqueza quais são nossos sentimentos e necessidades e receber com empatia os sentimentos e as necessidades do outro.
Não existe verbo “ser” na CNV; não se pode dizer “Essa pessoa é preguiçosa”, “Essa pessoa é normal”, “Essa pessoa é correta”. Vamos traduzir “comedor compulsivo” em CNV: “necessidade de ser amada ou de me conectar...”
‘Do que realmente necessito?’” Veja que traduzimos a condenação “Sou comedora compulsiva” em termos de como me sinto, quais são minhas necessidades não atendidas e o que fazer para resolver. É assim que usamos a CNV com nós mesmos.
“Qual é a vida que está acontecendo em mim neste momento?”.
Quando as pessoas acham que estamos tentando discutir, pensam que pretendemos vencer.
Ninguém com um mínimo de consciência vai querer que o outro lhe faça alguma coisa por medo, culpa ou vergonha. Toda vez que alguém faz alguma coisa por medo, culpa ou vergonha, todo mundo sai perdendo.
O praticante da CNV nunca concorda nem discorda. Aviso: nunca entre na cabeça dos outros; é feio lá dentro. [Risos.] Fique longe da cabeça deles. Vamos entrar no coração deles.
Na CNV, todos os insultos são expressões trágicas de necessidades não atendidas.
“O que essa pessoa está querendo e não está obtendo?”
XINGADOR: Você é sensível demais! PRATICANTE DA CNV: Gostaria que eu o entendesse de forma diferente?
Sabemos que a base da violência é estar sofrendo e não saber como dizer isso com clareza.
Na linguagem da CNV, não expressamos nada que insinue, de algum modo, que o outro esteja errado. Eu diria que a necessidade humana básica, o maior sentimento comum a todo mundo, universalmente, é a alegria que experimentamos ao ver que temos o poder de enriquecer a vida.
O PRIMEIRO ESTÁGIO DA CURA: CONEXÃO EMPÁTICA
em primeiro lugar, quer nosso objetivo seja nos curar, quer seja ajudar alguém a se curar, é pôr o foco no que está vivo agora, não no que aconteceu no passado.
Se precisar falar sobre o passado, diga em até cinco palavras, não mais que isso: “quando você fugiu de casa”, “quando você me bateu”, seja o que for.
Quando tenho sentimentos fortes dentro de mim, apenas ter consciência deles é piedade, não empatia. Portanto, se eu fosse o irmão e dissesse “Nossa, fico triste quando você diz isso”, seria piedade, não empatia. Pense em quando você sentiu alguma dor no corpo, uma dor de cabeça ou de dente, e pegou um bom livro. O que aconteceu com a dor? Você não a notou mais. A dor estava lá – quer dizer, o problema físico não mudou –, mas você não. Você saiu para fazer uma visita. Isso é empatia. Você foi visitar o livro. “Estou com muita dor agora que ouvi algumas coisas que você disse, então não sou capaz de escutar. Pode me dar alguns instantes para eu resolver isso e poder voltar a ouvi-lo?”
digo que a empatia exige “aprender a gostar da dor do outro”.
Primeiro, empatia exige presença – um foco no que está vivo no outro naquele momento, nos sentimentos e nas necessidades daquela pessoa. Segundo, exige confirmar as coisas com ela para se assegurar de que você está se conectando ao que ela sente e precisa. Estar presente por inteiro e colocar a atenção nos sentimentos e nas necessidades do outro.
Também podemos verificar nosso entendimento verbalmente, repetindo em voz alta quais sentimentos e necessidades percebemos na fala do outro. Com empatia, estou inteiramente com o outro, não cheio do outro – isso é piedade.
O terceiro passo para transmitir empatia é estar com o outro até que ele lhe dê sinais de que acabou.
O quarto passo só acontece depois do alívio. Durante o processo de empatia, se toda vez que eu entender algo eles responderem “Sim, e blá-blá-blá, blá-blá-blá”, esse é um sinal de que precisam de mais empatia.
Quando sinto esse alívio da tensão e vejo que pararam de falar, a probabilidade é de que tenham recebido a empatia de que necessitavam.
Nosso quinto passo, portanto, é mostrar empatia por seu pedido “pós-empático”, ou algo mais que queiram.
OS QUATRO ESTÁGIOS DA CURA
O primeiro estágio da cura: empatia
Para resumir, então, o primeiro estágio do processo de cura é dar a alguém a empatia de que precisa.
O segundo estágio da cura: o luto na CNV. O principal aqui é perceber a grande diferença entre o luto e um pedido de desculpas. Vejo o pedido de desculpas como um ato muito violento.
As desculpas se baseiam num julgamento moralista de que fiz algo errado e que devo ser punido por isso – devo até me odiar pelo que fiz.
Isso é diametralmente diferente do luto, que não se baseia em julgamentos moralistas, e sim em julgamentos a serviço da vida. Satisfiz minhas necessidades? Não. Então qual necessidade falta satisfazer?
Depressão, culpa, raiva ou vergonha. Esses quatro sentimentos nos dizem que estamos fazendo julgamentos moralistas no momento em que os vivenciamos. Eles são resultado do pensamento que está na base da violência em nosso planeta.
Nosso pensamento nos impede de perceber nossas necessidades e, em seguida, agir para satisfazê-las. Também ficamos estagnados quando nos comparamos com os outros. Dá para ver que se comparar com os outros não vai levá-la a lugar nenhum.
O terceiro estágio da cura: reconhecimento das necessidades passadas
O quarto estágio da cura: empatia reversa
muito importante que esse último estágio do processo de cura – alcançar empatia pela pessoa cujo ato estimulou a dor no outro – aconteça quando a pessoa magoada estiver pronta para transmitir empatia.
No meio da competição insana, é muito importante para mim usar as três palavras que provavelmente mais repeti a mim mesmo nos últimos anos: Não se apresse.
Há quatro estágios principais para a criação de uma ponte de empatia entre pessoas que buscam cura ou reconciliação num relacionamento significativo.
Primeiro estágio: conexão empática . Estar presente: Demonstro empatia a alguém que está magoado, com raiva ou com medo ficando inteiramente presente diante do que está vivo nessa pessoa, sem julgamentos, diagnósticos nem conselhos. . Conectar-se com sentimentos e necessidades atuais e verificá-los:
Só faço isso em voz alta se: minha intenção for confirmar que entendi com exatidão e me conectei com a pessoa, e se sentir que a pessoa está vulnerável e talvez aprecie minha empatia verbal. Meu foco é o que está vivo dentro dela naquele momento (em consequência do que aconteceu no passado), e não na história ou nos acontecimentos passados.
. Permanecer na empatia: Fico presente para a pessoa até receber sinais visíveis de que ela terminou (por exemplo, um sinal de que está aliviada ou silêncio).
. Verificar: Pergunto: “Há algo mais que você queira dizer?”
. Receber pedidos pós-empáticos: O que a pessoa quer receber de mim nesse momento? Informações? Conselhos? Saber como me sinto depois de ouvi-la falar?
Lembre-se de distinguir empatia de solidariedade. Na empatia, estou inteiramente presente com os outros enquanto eles têm seus sentimentos. Na solidariedade, estou de volta a mim, sentindo meus sentimentos.
Segundo estágio: luto
Na CNV, o luto exige tomar consciência de minhas necessidades atuais não atendidas em consequência de escolhas específicas que fiz no passado.
Terceiro estágio: reconhecimento das necessidades passadas (que me levaram a me comportar como me comportei)
Quarto estágio: empatia reversa. Depois que recebeu total empatia, ouviu meu luto e entendeu as necessidades que eu estava tentando atender com meu comportamento, a pessoa sentirá o desejo natural de me devolver a empatia. Quando isso acontece, completamos o último estágio da cura.
A raiva é uma dádiva que nos desafia a nos conectar com as necessidades não atendidas que a provocaram.
Estamos pensando de um modo que provavelmente não atenderá à nossa necessidade e nos levará a interações que não serão construtivas para ninguém.
Ver o que está acontecendo dentro de nós quando ficamos furiosos, porque dizer de forma transparente como estamos e o que gostaríamos sempre exige vulnerabilidade da nossa parte.
O primeiro passo para lidar com a raiva usando a CNV é ter consciência de que o estímulo ou gatilho não é a causa da raiva. Em outras palavras, não é simplesmente o que os outros fazem que nos enfurece; na verdade, a real causa da raiva é algo dentro de nós que reage ao que fizeram.
A CNV é construída sobre a premissa de que a raiva é o resultado de formas alienadas da vida de avaliar o que nos acontece.
Muitos de nós fomos educados por pessoas que usam a culpa como forma principal de motivação. Se você quer usar a culpa para manipular os outros, primeiro é preciso confundi-los para que pensem que o gatilho é a causa do sentimento. Em outras palavras, se quiser fazer alguém se sentir culpado, é preciso se comunicar de maneira a indicar que a dor que você sente está sendo causada apenas pelo que o outro fez.
A CNV mostra que nunca é o que o outro faz, mas a maneira como nós enxergamos, como interpretamos, a atitude dele. É o modo como olhamos a situação que cria nossa raiva, não o gatilho em si.
O primeiro passo para expressar a raiva – para gerenciá-la em harmonia com a CNV – é identificar o estímulo sem confundi-lo com a avaliação mental.
O segundo passo é ter consciência de que sua avaliação do outro, sob a forma de julgamentos que lhe dizem que ele está errado, é a real causa da raiva. Nunca é o estímulo que causa a raiva. Entre o gatilho e a raiva sempre há algum processo de pensamento.
O terceiro passo para gerenciar a raiva usando a CNV exige a busca da necessidade que está por trás da reação.
Em vez de estarmos diretamente conectados com o que precisamos, nos refugiamos na nossa própria mente e começamos a pensar no que está errado nos outros ao não atenderem às nossas necessidades.
Quando os julgamos e dizemos aos outros que estão errados, eles costumam ficar na defensiva, sem nenhuma oportunidade de aprendizado ou conexão.
O tipo de pensamento que nos leva a sentir raiva é aquele que indica que os outros merecem sofrer pelo que fizeram.
O primeiro passo para ser capaz de exprimir nossa raiva por completo com a Comunicação Não Violenta é separar totalmente o outro de alguma responsabilidade pela nossa raiva.
Quando pensamos que precisamos ferir os outros, aquilo que realmente necessitamos é que esses outros vejam quão feridos estamos e como seu comportamento contribuiu para a nossa dor.
É essa escolha que determina nossos sentimentos. É por isso que a Comunicação Não Violenta exige que uma palavra importantíssima venha depois do porque: a palavra eu, não a palavra você. “Estou com raiva porque eu ______________.”
Se queremos compreensão de uma pessoa, a melhor maneira de conseguir é lhe oferecendo compreensão primeiro.