A Expansão do Círculo Moral no Altruísmo Eficaz
explicando Longo Prazismo para veganos e Especismo para altruístas eficazes
Nosso primeiro contato com um conceito novo geralmente nos leva a uma jornada do herói. Vivíamos uma vida ordinária e somos “chamados para a aventura”, para entrar em um “mundo extraordinário” dialogando com essa novidade até que consigamos retomar a vida transformados.
O filme do Rei Leão é um bom exemplo dessa jornada. Ele vive sua vida feliz (ordinária) como filho do rei. Seu pai é morto. Ele se amedronta ao enfrentar o tio, recusa o chamado, foge para uma vida diferente com novos aliados (hakuna matata), tenta se acostumar longe da vida antiga, até que enxerga o abismo, reencontra Nala, retoma energia e o caminho de casa transformado e realiza seu impacto positivo no mundo (retoma o trono).
“A aventura do herói começa com alguém de quem algo foi tirado (desviado da vida comum)... A pessoa, então, embarca em uma série de aventuras além do comum, seja para recuperar o que foi perdido ou para descobrir algo que deseja. Geralmente é um ciclo, uma vinda e uma volta.” Joseph Campbell – (O Herói de Mil Faces)
Neste texto, os 2 conceitos (especismo e longo prazismo) podem te levar à uma jornada do herói. Esperamos que a leitora saia transformada.
Altruísmo Eficaz
O “chamado para a aventura” no Altruísmo Eficaz é: Qual o MAIOR bem que você pode fazer aos OUTROS?
Então, surgem dois conceitos para aprender. O que é “bem”? E quem são “os outros”. Fazer o bem ao mundo, no movimento AE, envolve prioritariamente: reduzir mortes e reduzir sofrimento. Mas a aventura seria para reduzir mortes e sofrimento de quem? E aí entramos na…
Expansão do Círculo Moral
Em suas aulas de filosofia, Peter Singer utilizava o conceito da criança se afogando no lago para provocar as primeiras reflexões sobre círculo moral (ele tem um livro inteiro sobre o tema).
“Para desafiar meus alunos a pensar sobre a ética daquilo que devemos às pessoas com necessidades, peço-lhes que imaginem que o seu caminho para a universidade os leve a passar por um lago raso. Certa manhã, digo-lhes, vocês notam que uma criança caiu lá dentro e parece estar se afogando. Entrar na água e puxar a criança para fora seria fácil, mas isso significa que você ficaria com a roupa molhada e enlameada, e no tempo de voltar a casa e se trocar, já teria perdido a primeira aula.
“Então pergunto aos alunos: vocês teriam alguma obrigação de salvar essa criança? Unanimemente, os alunos dizem que têm. A importância de salvar uma criança, até ver, supera o custo de se ficar com as roupas enlameadas e de se perder uma aula, para que eles se recusem a considerar isso como qualquer tipo de desculpa para não salvar a criança. Faz alguma diferença, pergunto, se há outras pessoas passando pelo lago que também poderiam resgatar a criança, mas não o fazem?
“Não, os alunos respondem, o fato de os outros não estarem fazendo o que deveriam não é razão para eu deixar de fazer o que deveria”.
“Assim que ficamos esclarecidos sobre quais são as nossas obrigações para salvar uma criança a afogar-se na nossa frente, pergunto: faria alguma diferença se a criança estivesse muito longe, talvez em outro país, mas correndo um risco de morte semelhante, e se, do mesmo jeito, estivesse dentro de suas possibilidades salvá-la, sem grandes custos — e absolutamente nenhum risco — para si? Praticamente todos concordam que a distância e a nacionalidade não fazem qualquer diferença moral nessa situação.
Então ressalto que todos nós estamos na mesma situação da pessoa que passa pelo lago raso: todos nós podemos salvar vidas de pessoas, crianças e adultos, que, caso contrário, morreriam, e podemos fazê-lo a um custo muito pequeno para nós: o custo de um CD novo, ou de uma camisa, ou de uma saída à noite a um restaurante ou a um concerto, pode significar a diferença entre a vida e a morte para mais de uma pessoa algures no mundo — e agências humanitárias no exterior como a Oxfam resolvem o problema de agir à distância.”
Podemos desenhar a lógica em um guardanapo de papel, são 2 eixos, um temporal e outro do círculo moral. O tempo nos leva da esquerda para a direita. E forças psicológicas, sociais, culturais nos levam para cima e para baixo.
Por exemplo, sentimentos de compaixão, justiça e princípios antidiscriminatórios nos fazem considerar moralmente os interesses de pessoas muito diferentes de nós (de outras religiões, países, etnias…). Sentimentos de apego, medo e vários “ismos” nos puxam para respeitar apenas família, amigos, nossos iguais ou mesmo nos fazem olhar apenas para o próprio umbigo.
Ao longo da história, indivíduos, sociedades, culturas flutuaram e cada vez têm expandido mais seu círculo moral.
Alcançar o respeito aos animais, lá no topo, não é coisa nova. Os Jainistas (chamados nessa matéria da BBC como “os veganos originais”) já buscavam respeitar todos os animais desde 700 A.E.C. Pitágoras também foi um dos primeiros filósofos gregos a ir contra o massacre de animais; 2 mil anos depois, no séc XVI, Leonardo da Vinci fez coro. Depois vieram Schopenhauer, Einstein e muitos outras personalidades… (ao final deste texto, separei um anexo com diversas citações históricas).
O salto do Altruísmo Eficaz vai exatamente nessa linha, traçando o círculo até todos os animais sencientes e entendendo que alguns já são priorizados e “bem cuidados”. Pets e a chamada “fofo-fauna” são exemplos de animais que não tem seu sofrimento negligenciado.
Já no eixo horizontal, o movimento inclui que esse respeito deve ser expandido para o longo prazo, inclusive para quem não nasceu ainda.
Isso porque, se pensarmos na espécie mamífera que “durou” menos na Terra (aprox. 1 milhão de anos) e aplicarmos à nossa espécie, temos, no mínimo, mais 800 mil anos pela frente. Foram apenas 117 bilhões de humanos que nasceram até hoje, isso significaria, olhando para o longo prazo, apenas 0,008% dos humanos que ainda podem vir a nascer.
Ou, olhando de maneira inversa: 99,99% dos humanos ainda não nasceram. Estamos só no início da história! Pensar em que mundo vamos deixar para eles é a ideia do…
Longo Prazismo
E o grande risco de 99,99% da humanidade futura não nascer é… nos matarmos ou acabarmos com o mundo antes. Os grandes riscos de extinção ou de catástrofes que o Altruísmo Eficaz debate/pesquisa/endereça são: IA, Inverno Nuclear, Aquecimento Global, Pandemias, Guerras Biológicas.
Isso sem nem contar possíveis sofrimentos quando IAs se tornarem sencientes ou a atual (e talvez ainda maior no futuro) crueldade com animais sencientes. Só hoje, matamos por ano 80 bilhões de animais terrestres para consumo. Se contarmos os marinhos, matamos mais animais por ano do que humanos que já viveram nos últimos 200 mil anos.
Assim, voltando para nosso gráfico da Expansão do Círculo moral, percebemos a urgência endereçar o…
Especismo
O conceito foi popularizado nos anos 70 pelo livro Animal Liberation de Peter Singer. Todo o 1o capítulo é focado em explicar esse conceito (criado como metáfora do machismo e racismo, que geram injustiças, objetificação e negação dos direitos das vítimas).
A união do Altruísmo Eficaz (AE) com a luta antiespecista fica clara no gráfico, quando vemos que 95% dos animais mortos são em situação de fazenda (para consumo humano), mas quase todas as doações e toda a energia pra redução do sofrimento animal são focadas em abrigos para pets. Se você tem sorte de nascer cão ou gato, os humanos vão se importar contigo. Senão, você será visto como objeto a ser explorado, como um ser inferior.
Assim, vemos que o livro Animal Liberation traz a mensagem de respeitarmos todos os seres sencientes e nos puxa para cima no eixo vertical. Outro livro de Peter Singer (A vida que você pode salvar), que traz o exemplo da criança se afogando, já focava em expandir o círculo moral para todos os humanos, não só os “mais próximos ou parecidos”.
Um terceiro livro (de Toby Ord, um dos fundadores do AE) é O Precipício, que puxa toda essa preocupação também para o Longo Prazismo.
Coloquei outros livros de referência como sugestão na imagem, mas a grande mensagem é mostrar que precisamos mover a humanidade, incentivar e inspirar para que todos alcancem o quadrante direito superior. Ali é o alvo do movimento, dos debates e pesquisas do AE.
Tendo sucesso nessa jornada, estamos mirando uma utopia pacifista. Os dois quadrantes inferiores mostram o caminho de uma utopia de paz entre humanos. Mas isso não é suficiente para eliminar o sofrimento e a crueldade no mundo.
Quando o AE une a expansão do círculo moral com a luta antiespecista, o movimento deixa claro o que às vezes se omite: o Veganismo é o que falta ao Humanismo para realmente defender a paz no mundo.
Voltando ao início do texto, agora que passamos pela sua jornada do herói conhecendo esses 2 conceitos novos, passamos pelas 3 fases de transição (primeiro ridicularizamos um conceito novo, depois debatemos e confrontamos, por fim aceitamos e disseminamos…
O que você vai fazer a partir de hoje? Que ações você pode tomar para realmente defender o fim do sofrimento no mundo?
Agora que você sabem quem são os outros, seja no eixo vertical, seja no eixo horizontal…
Qual será sua jornada para, a partir de hoje, fazer o MAIOR BEM PARA OS OUTROS?
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Para mais infos do movimento, entre no site do AE Brasil
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ANEXO: CITAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AMPLIAÇÃO DO CÍRCULO MORAL
•800 AEC – Jainism (Ahimsa). E Hesíodo: “A Idade de Ouro ocorreu na época de Cronos, quando os homens eram inocentes coletores de alimentos e não havia trabalho nem guerra.”
•570 AEC - Pitágoras: “Enquanto o homem continuar a ser destruidor impiedoso dos seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a saúde nem a paz. Enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor.”
•400 AEC – Bíblia: “26. Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Exerça ele TUTELA sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão’”
•400 AEC - Mahabharata, 115.29-32– “Se não houvesse ninguém que comesse carne, então não haveria ninguém para matar os seres vivos. O homem que mata outras criaturas o faz por conta daqueles que comem a carne. Se a carne não fosse considerada alimento, não haveria a destruição de outros seres vivos. É devido ao comedor que a destruição dos seres vivos é mantida nesse mundo.”
•Todas as religiões – Regra de Ouro
•300 AEC – Xenócrates – Decreto Eleusis: “Honra teus pais; sacrifica aos deuses dos frutos da terra; não machuque nenhum animal."
•43 AEC – Ovídio – “Abstenham-se, ó mortais, De envenenar seu corpo com comida tão ímpia!”
•80 EC – Plutarco – "As obrigações da lei e da equidade atingem apenas a humanidade, mas a bondade e a beneficência devem ser estendidas às criaturas de todas as espécies, e estas fluirão do peito de um homem verdadeiro, como riachos que brotam da fonte viva.“
200 EC – Porfírio – “Aquele que se abstém de qualquer coisa animada... será muito mais cuidadoso para não ferir os de sua própria espécie. Pois quem ama uma individualidade não odiará nenhuma espécie de animal.
•1480 EC - Da Vinci – “Haverá um tempo em que os seres humanos se contentarão com uma alimentação vegetariana e julgarão a matança de um animal inocente da mesma forma como hoje se julga o assassino de um homem”
•1830 – Tolstoi - "Enquanto houver matadouros, sempre haverá campos de batalha.“
•1850 EC - Schopenhauer – “A compaixão pelos animais está intimamente ligada a bondade de caráter, e quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem”
•1850 EC- Anna Kingsford – “deplorou que ‘essas pobres criaturas iludidas não possam ver que a paz universal é absolutamente impossível para uma raça carnívora’”.
•1880 - Agnes Ryan - “As guerras nunca deixarão de existir enquanto os homens continuarem matando outros animais para comer, uma vez que transformar qualquer criatura viva num assado, num bife ou numa costeleta, ou em qualquer outra forma de “carne”, implica o mesmo tipo de violência, o mesmo tipo de derramamento de sangue e o mesmo tipo de processos mentais exigidos para transformar um homem vivo num soldado morto.”
•1900 EC - Einstein – “Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevida na Terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana”
•1920 EC – Henry Salt – “Se o homem mata as raças inferiores para ter comida ou por esporte, ele estará disposto a matar a sua própria raça por hostilidade. Não é esse banho de sangue ou aquele banho de sangue, que precisa parar, mas todos os banhos de sangue sem necessidade — toda imposição gratuita de dor ou morte aos nossos semelhantes”.
•1950 EC – Isaac Singer – “no seu comportamento em relação aos animais, todos os homens são nazistas”
Por fim, algumas citações do livro a “Política Sexual da Carne”, de Carol J. Adams, que conta muito da história do movimento pelos animais.
•“Desde o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, quando Rousseau primeiro sugeriu que um dos elos das correntes que mantinham o gênero humano atado era uma dieta contrária à natureza, até Emílio e La Nouvelle Heloise [A nova Heloise], o vegetarianismo é a dieta ideal para Rousseau.24 Émile, Sophie e Julie eram vegetarianos.”
•Percy Shelley trovejou que “o abate de animais inofensivos não pode deixar de produzir grande parte desse espírito de exultação insana e hedionda, em que a notícia de uma vitória significa o massacre de centenas de milhares de homens”
•Joseph Ritson acreditava que a escravidão humana deveria estar associada ao hábito de comer carne, ao passo que Percy Shelley sugeria que um povo vegetariano nunca teria “fornecido seu cruel sufrágio à lista de proscritos de Robespierre”. Eles argumentavam que era urgentemente exigido incluir os animais no círculo das considerações morais. A maioria dos vegetarianos românticos era constituída por simpatizantes da república. Eles viam a Revolução Francesa como um dos pontos de apoio para reformar o mundo, e eliminar o consumo de carne seria outro (John Oswald, The Cry of Nature)
•1918 – “A apresentação do editor para o artigo de L. F. Easterbrook sobre “Álcool e carne” explica: Em 1918, a visão de uma manada de gado amedrontado e em sofrimento, empurrado para dentro de um vagão de trem e sendo levado para uma área de abate, impressionou o escritor desta nota a descrever a cena como, no mínimo, tão abominável e degradante para a nossa civilização quanto qualquer coisa a que ele tenha assistido recentemente em várias frentes de penoso combate na França e na Itália”
•Em 1918, a Federation of Humano-Vegetarians dos Estados Unidos escreveu para o presidente Woodrow Wilson pedindo que os “seguidores do Culto Vegetariano” tivessem o mesmo tratamento dispensado a quem, por motivos religiosos se recusava a entrar na guerra, porque nós, vegetarianos, reafirmando a nossa fé na Afinidade Universal do ‘Reino Animal’ e a ‘Fraternidade do Homem’, somos obedientes ao mandamento humano fundamental: ‘Não matarás’.“
•"Quatro temas vêm à baila quando se tem uma “interrupção” vegetariana. Esses temas incluem a rejeição dos atos de violência masculinos, a identificação com animais, o repúdio ao controle masculino sobre as mulheres e a postulação de um mundo ideal composto de vegetarianismo, pacifismo e feminismo — por oposição a um mundo decaído composto em parte de opressão feminina, guerra e consumo de carne."